Minha mãe, anos 70
Há 39 anos, pela manhã de 10 de Março de 1974 uma mulher cheia de sonhos, diversos talentos, a alma cheia de aspirações e 26 anos de idade dava à luz ao segundo filho, cujo coração logo demonstrou problemas que a todo custo não se diagnosticaram; cresci ouvindo falar de alguns diagnósticos plausíveis e terríveis, e que metade deste coração era escuro; mas fato é que eu desmaiava e assustava a todos que corriam feito malucos para o hospital; oito meses se passaram, nenhum diagnóstico concreto, dezenas de encaminhamentos do filho para “pesquisa de interesse científico” e muitos transtornos. A jovem senhora com dois filhos, sendo este problemático, via com o passar do tempo que muitos de seus sonhos não se realizariam; aos oito meses de vida o menino não tinha coisa alguma, nem exames detectavam nada e nem desmaios ou sintomas deram mais a cara. Se você não acredita em Poder da Oração, estou aqui hoje para lhe provar que é Real. Nunca mais tive nada. A família e a Igreja que a família frequentava foi colocada em oração por minha cura ao longo daqueles oito meses.
Minha mãe, anos 70
Não gosto de proselitismo, não concordo com culto em rede social, não gosto de falar nomes de igreja e nem nome de denominação ou religião; principalmente porque meu facebook é somente de uso profissional, sem contar que Deus não tem religião; e ainda mais depois que o super pastor nazifascista assumiu a presidência de uma comissão cujos princípios deveriam ser totalmente laicos e presidido por alguém sem influencia de interesses dogmáticos ou doutrinários; mas hoje é uma data especial e queria compartilhar estes fatos com vocês. Então peço perdão pela quebra da própria regra.
Casamento dos meus pais, 1970
O tempo passou e cinco anos depois do meu nascimento, a jovem senhora então com 32 anos teve mais uma filha.
Casamento dos meus pais, 1970
A jovem mulher que pintava, costurava, bordava, fazia artesanatos em vidro, madeira, cortiça, latão, papel e etc., pegava no batente pesado da arrumação da casa e cuidado com os filhos; era uma linda mulher, feminina e vaidosa, que arrumava a casa cantando e arrumada; muitas vezes eu perguntava: - Aonde você vai, mãe? – e ela respondia: - Lugar nenhum. Para arrumar a casa tem que estar feia? – e cantava enquanto lavava roupa, cantava enquanto encerava o chão, cantava enquanto fazia comida, cantava enquanto varria.
Era uma canção do folclore sueco, onde, como era costume dos antigos evangelistas do final do século XIX e começo do XX, parodiavam colocando letras cristãs para maior assimilação do povo; a letra de cunho religioso foi colocada na canção folclórica por Emil Gustafson, e foi traduzida para o português por Frida Vingren. Tornando-se o Hino 126 da Harpa Cristã.
Não, ela não era feliz. É certo que não, pois me lembro dela chorando muitas vezes sozinha, e chegávamos para saber o que era e ela parava, mudava de assunto e se levantava. Ela tinha sonhos. Sonhos que nunca realizou.
Ela pintava lindos quadros em acrílica sobre camurça, óleo sobre tela, gravura em relevo sobre latão, vidros jateados, desenhava com pirógrafo sobre madeira; fez cursos de pintura em tela, em tecido, artesanato, vidro, corte e costura, cabeleireira e etc.
Participou de exposições em diversas cidades com seus quadros; costurou vestidos de festa, vestidos de madrinha, vestidos de meninas, vestidos de senhoras, roupas para crianças e adultos, nossas roupas e as roupas de muita gente; cortou nossos cabelos toda vida e os cabelos de muita gente eu não podia ir a um salão.
Passava madrugadas costurando, costurando, e de dia cuidava da casa e dos filhos.
E continuava sonhando; sonhou com uma boa casa que não teve; sonhou com filhos bem sucedidos que não viu; sonhou com alegrias que não teve e lugares que não visitou.
Ainda muito jovem começou a sentir dores e problemas circulatórios; diagnosticada com artrite começou a tratar, porem as dores eram cada vez mais intensas e entre artrite e artrose os médicos diziam que era as duas coisas; mas não era, começou a emagrecer, ela era magra, sempre foi, mas começou a realmente perder massa; outras horas inchava e o sangue não circulava nos membros, ficando tudo pálido sem circulação... o tempo foi passando e a rotina deixou de ser cuidados domesticos e costura e passou a ser casa, medico, hospital. Foi internada várias vezes e então um diagnóstico concreto, que para nos poupar meu pai guardou para si, o médico o alertou inclusive quanto tempo ela teria de vida. (É um tipo especial de reumatismo cujo nome não vou citar aqui, pois se passaram 23 anos e hoje é uma doença controlável e curável; mas que ao ser citada e alguém tiver, pode ficar preocupado e não quero contribuir para isso, cito apenas que é um tipo de reumatismo e peço que parentes e amigos que a conheceram e souberam não escrevam sobre a enfermidade, respeitem.) A doença atacou o liquido entre as articulações, enrijecendo seu corpo, absorveu sua carne, definhando-a, e quando atingiu sua pele criando feridas ela se despediu de nós... ela há muito tempo com aquelas dores não tinha mais posição para se deitar ou sentar, e meu pai conseguiu alugar um colchão d’água; que ela usou aquela única vez; neste dia eu cheguei da escola e fui vê-la, ela conversou conosco e passado algumas horas ela não estava mais consciente fisicamente, várias horas se passaram neste estado catatônico até que foi levada ao pronto socorro do bairro para ser encaminhada a um hospital; mas era tarde; seus olhos cuja córnea era meio amarelada como a minha, estava branquinho, seu olhar estava perdido no nada (ou no Tudo?), ela olhava quase que sem piscar para um ponto longe no quarto, não nos ouvia, não falava, estava indo embora. Esboçava um sorriso de canto de boca, pouco, mas bonito, como há muito tempo não sorria... era muito nítido que estava vendo algo ou alguém e era encantador tudo o que via. E se foi. Aos 43 anos incompletos.
Neste exato momento, pouco depois da meia noite, fazem 23 anos que ela partiu para um Lugar que é mais bonito que os lugares que ela sonhou e não foi, onde há alegrias maiores do que as que ela quis viver e não viveu, neste dia, 10 de Março, em que eu completava 16 anos.
eu, 1979
Choquei vocês com a noticia do dia do meu aniversário, não é mesmo? Mas não era a intenção. Porque n’outros tempos eu não queria nem ouvir falar de aniversário. Com o tempo fui aprendendo que estamos na Terra e a vida segue, e comecei a aceitar comemorações novamente, passou o tempo eu nem ligava mais, sempre lembrando-a, mas não tinha problema comemorar o aniversario, pois uma coisa era o aniversário, e outra coisa era a sua partida...
Mas eu quis escrever este texto porque tenho algo para dizer a todos, hoje comemoro o meu aniversário e o dela, pois se ela partiu deste mundo, renasceu no outro, e, portanto a data passou a ser o aniversario dela nos planos superiores. E então estou aqui, para lhes dizer que a mulher que sonhou e sofreu, agora comemora comigo seu aniversário no Além com convidados de outra esfera, musicas que não concebemos e certamente está mais linda do que era.
eu, 1978
Mãe, Feliz aniversário, me perdoe os desgostos passados, reclamações, má-criações, respostas descabidas e atravessadas, irresponsabilidades, desonras e desobediências; e muito obrigado por ter me trazido à luz, pelos cuidados, pelo lar, por todo o zelo domestico, religioso, secular, intelectual e cotidiano, e muito obrigado por todos os exemplos que me deixou de luta, perseverança e força.
Que O Senhor a tenha em Sua Graça.
Obrigado.
Minha mãe, meu irmão e eu, anos 70
Deixo aqui a canção que você tanto gostava: http://harpacrista-fragmentos.blogspot.com.br/2008/08/hc126-bem-aventurana-do-crente.html
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